quarta-feira, 19 de junho de 2013

O que nos dizem as ruas?

Não é bom, nem justo, nem honesto simplificar o complexo fenômeno social que se manifesta atualmente nas ruas do Brasil. Não há uma motivação única para os protestos que se espalharam pelas principais cidades do país. Há questões gerais e universais ao lado de outros locais e setoriais. Há aspectos que aproximam os manifestantes de São Paulo aos do Rio aos de belo Horizonte aos de Brasilia e de Porto alegre e, outros tantos, que os distanciam. O papel da internet e das redes sociais é central e, em geral, os políticos e formadores de opinião não o tem compreendido minimamente. Percebo que estamos diante da expressão política do novo Brasil. A revolução democrática, levada a termo na última década, redefiniu a estrutura de classes da sociedade brasileira, incluiu milhões de brasileiros à sociedade de consumo e possibilitou a emergência de novas expressões culturais e políticas. Mas o inédito processo de inclusão social e econômica ainda é imperfeito, inconcluso, contraditório e com dinâmicas políticas imprevisíveis, mas algumas pistas são visíveis e exigem uma reflexão mais adensada. As conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas da despolitização da política. O Congresso Nacional é constrangedoramente tradicional e os partidos de esquerda estão paralisados e todos, distanciando, ainda mais, a juventude da política tradicional. Recentemente, tivemos manifestações espontâneas, em todo o país, contra a indicação do pastor Marcos Feliciano à Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional e ninguém propunha uma ditadura com o fechamento do Congresso ou a criminalização dos políticos. E o que fez nosso Parlamento enquanto Instituição? Nada. Esperou solenemente o movimento se dispersar. Frente à onda conservadora que estimula a homofobia, o racismo e a violência sexista, o que têm feito os partidos políticos? Nada. Os ruralistas de sempre se organizam no Congresso Nacional para anular os direitos dos indígenas e o que dizem nossos parlamentares progressistas? Nada. Há grandes conquistas atualmente, mas também há incerteza e imprecisão quanto aos próximos passos. Demandas históricas não atendidas carecem de respostas mais amplas. Além disso, novas questões sempre se impõem num cenário de conquistas sociais e políticas. Pois, se é verdade que os últimos governos incluíram milhões e possibilitaram acesso a inúmeros serviços antes inacessíveis, também é verdade que temos, em diversas áreas, serviços de baixa qualidade e, fundamentalmente, caros. O transporte nas grandes cidades é um drama cotidiano para milhões de brasileiros. Temos pleno emprego em diversas regiões metropolitanas do país e, no entanto, ainda temos um oceano de precariedade e informalidade. E aqueles que ingressaram na sociedade de consumo nos últimos anos, legitimamente, querem mais: anseiam por cultura, lazer, mais e melhores serviços, educação de qualidade, saúde, segurança e transportes. São os efeitos colaterais de toda experiência exitosa de redução das desigualdades sociais e econômicas. Evidentemente, há ainda o afastamento e o desencantamento com a política e os políticos. A denominada "crise da representação" não é um conceito acadêmico abstrato. O déficit de democracia e de legitimidade das Instituições políticas colocam em xeque a capacidade dos atuais representantes em absorver e compreender as novas dinâmicas sociais e políticas que se expressam nas ruas do país. Nossa jovem democracia corre o risco de caducar precocemente, caso não tenhamos êxito em ressignificá-la e reaproximá-la dos setores sociais mais dinâmicos. Essas seriam algumas das questões mais gerais que aproximam os movimentos das ruas, mas há ainda outros temas locais que incidem sobre pessoas a partir de questões mais sensíveis a partir de sua vivência concreta nos territórios. O Rio de Janeiro, por exemplo, se tornou uma das cidades mais caras do mundo. Há uma reorganização em grande escala do espaço urbano e há setores sociais que se sentem completamente alheios (e marginalizados) ao processo de "modernização" da cidade. Em São Paulo, temos uma polícia orientada para o uso desmedido e desproporcional da força e da violência, e isso não diz respeito somente aos dias de protestos. Também há ali um tipo de violência estrutural contra homossexuais e mulheres sem que o Poder Público organize qualquer resposta mais contundente. Poderíamos estender a lista. Por fim, cumpre não outorgar, de forma alguma, às elites brasileiras uma capacidade de mobilização que ela não possui e jamais possuirá. Refutar a ideia de que os jovens e adultos que estão nas ruas são “baderneiros” é o primeiro passo para cair em um erro elementar que seria bloquear qualquer possibilidade de dialogo com esses novos movimentos. Melhor acreditar que é possível extrair do atual momento elementos para a renovação da agenda da política brasileira e reforçar os laços que unem os governos progressistas da América Latina a todas as lutas contra as diversas formas de exclusão social. É hora de reforçarmos nossa capacidade de dialogo, de escuta, e ouvir a voz nada rouca das ruas, a mesma que nossos adversários sempre buscaram silenciar. Estamos diante de uma oportunidade singular para renovarmos nossos discursos e nossas práticas, projetando o próximo passo da Revolução Democrática no Brasil com base na força sempre renovadora das mobilizações sociais. (Padre Antonio Piber)